A França presta homenagem nesta quinta-feira (13) às vítimas dos ataques de 13 de novembro de 2015 em Paris. Os dez anos dos atentados mais violentos da história recente do país serão marcados pela inauguração de um jardim memorial na praça Saint-Gervais, no centro da capital, com presença da prefeita Anne Hidalgo e do presidente Emmanuel Macron. A cerimônia laica será transmitida pela televisão.
Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris
O jardim, projetado pelo paisagista Gilles Clément, é composto por vários blocos de granito azul esculpidos, que representam os locais dos ataques terroristas e onde estão inscritos os nomes das vítimas.
O evento, com música e momentos de reflexão, tem direção artística de Thierry Reboul, conhecido por ter coordenado as cerimônias dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris 2024.
O público poderá acompanhar a cerimônia em telões instalados em frente à Prefeitura e na Praça da República, onde foi montada uma exposição fotográfica, e os parisienses poderão depositar flores ou velas em homenagem às vítimas da tragédia.
Há exatos dez anos, a reportagem da RFI relatava ao vivo o que ninguém poderia imaginar: ataques coordenados em diversos pontos de Paris deixaram, no total, 130 mortos e cerca de 400 feridos.
O primeiro local atacado foi o Stade de France, onde 80 mil pessoas assistiam ao jogo de futebol entre França e Alemanha. O jornalista que cobria o duelo em campo passou imediatamente a relatar o susto dos torcedores que ouviram explosões. “Os espectadores ouviram, durante o primeiro tempo da partida, três grandes explosões, com intervalo entre cada uma, mas ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo", relatou.
A polícia e os socorristas se mobilizaram para chegar a outros locais atingidos por comandos terroristas armados: bares, restaurantes e a casa de shows Bataclan, lotada com fãs do grupo Eagles of Death Metal. A contagem das vítimas parecia impressionar mesmo as forças de segurança. O depoimento de um policial, o primeiro a entrar no Bataclan, apontava dezenas de mortos.
O presidente François Hollande, que governava o país na época, correu para estar junto dos franceses. “Nós quisemos estar perto de todos os que viram essas atrocidades para dizer que iremos travar uma batalha impiedosa,” disse o chefe de Estado aos jornalistas, no local da tragédia.
Após uma reunião de crise, o governo declarou estado de emergência no país, convocou todas as forças de ordem e determinou o fechamento do espaço aéreo francês.
Ao ser citado como testemunha no julgamento do caso, em 2021, François Hollande falou sobre a sua função como chefe de Estado naquela noite fatídica de 13 de novembro de 2015.
“Este grupo nos atingiu não pelo nosso modo de atuação no exterior, mas sim pelo nosso modo de vida aqui”, sublinhou Hollande. “A democracia será sempre mais forte do que barbárie", acrescentou.
"Carnificina"
No Bataclan, casa de shows invadida pelos terroristas, os sobreviventes estavam em choque diante dos corpos das vítimas.
Um dos primeiros a chegar ao local foi o jornalista da RFI, Pierre Olivier. “Eu fui até lá tomando muito cuidado, porque não sabíamos naquele momento o que realmente estava acontecendo", disse em entrevista para marcar os dez anos do caso. "Saí de casa, andei por uns cinco minutos e cheguei em frente ao Bataclan, onde a polícia estava chegando quase ao mesmo tempo que eu. Não havia nenhuma faixa de sinalização impedindo o acesso", continua.
"E gradualmente, a polícia e os bombeiros chegaram. Cada vez nos pediam para recuar mais. Mas quando cheguei, eu estava bem em frente ao Bataclan, e foi aí que comecei a ligar para a redação do meu celular e a reportar ao vivo. E fiz isso por quase três horas, a noite toda," relata.
"Uma mulher me disse que tinha sido uma carnificina, foi horrível. Todos estavam em choque e não queriam conversar. Isso é normal. Naquele momento, não sabíamos realmente o que estava acontecendo lá dentro, mas tínhamos pistas de que era muito sério e que havia mortes, muitas mortes," completa o jornalista.
Dez anos depois, as lembranças permanecem vivas em sua memória.
"Ainda há coisas que permanecem. Quando passo pelo Bataclan, revejo certas cenas. Já se passaram dez anos. E cada vez que passo por ali, lembro daquela noite, revejo pessoas, uma parede, uma vitrine, onde vi uma mulher em seu cobertor de emergência, coisas assim."
Depois de ouvir todos esses depoimentos e de entrevistar sobreviventes, o jornalista desenvolveu uma forma de estresse. "Quando eu entrava em um restaurante, em um bar, em uma casa de espetáculos, ou onde quer que fosse, eu sempre olhava para ver se havia janelas, uma porta de saída e como me sentar, para acessar facilmente a porta. Afinal, nunca se sabe, e se fosse como no Bataclan e um grupo de terroristas chegasse?", ele questiona.
A RFI também conversou com Elsa, uma francesa que assistia ao show na casa noturna Bataclan, quando foi ferida. "Quando fui atingida pela bala, me lembro muito bem da sensação no corpo. Foi tão irreal que ri, pensando: 'Ah, é mesmo como nos filmes'. Mas, falando sério, doeu."
"Eu me agachei e pensei: 'Não vou conseguir correr'. E racionalizei absolutamente tudo o que estava acontecendo. Disse a mim mesma: não posso sentir dor," lembra.
"Na hora você esquece a dor. Eu procurei me colocar em uma posição segura, apesar da multidão passando em cima de mim," relata a sobrevivente.
Passada uma década, Elsa pretende contar sua experiência em um espetáculo. "Eu queria fazer um projeto em torno da dança, não apenas para contar a minha história, mas através da dança, e não apenas em um testemunho que eu poderia ter escrito em um livro ou algo assim. Mas isso me toca menos, pareceu menos relevante para a minha relação com o corpo que eu tinha antes de tudo isso", explica.
Brasileiros entre as vítimas
Entre os sobreviventes dos ataques de 13 de novembro de 2015 também há brasileiros. A RFI conversou com Diego Mauro Muniz Ribeiro, arquiteto que, naquela noite, celebrava com amigos no restaurante Le Petit Cambodge, no 10º distrito de Paris.
“A minha recordação foi de ouvir uns barulhos, mas que eu não entendia muito bem. E quando olhei à direita, vi luzes. Não estava entendendo que aquilo eram tiros vindo na minha direção. Minha reação foi me jogar no chão. Me levantei na sequência e saí correndo. A lembrança que eu tenho é de que corri por muito tempo até entrar num supermercado,” lembra o arquiteto.
Diego passou por acompanhamento com psiquiatra e psicanalista para seguir em frente. Ele voltou a Paris três vezes para compromissos relacionados aos atentados, seja para dar depoimentos ou participar de solenidades públicas.
“Na França, existe uma solenidade em homenagem às vítimas, e foi muito impactante para mim. É uma cerimônia extremamente sóbria, silenciosa, e isso é muito respeitoso. Então, fiquei muito emocionado na primeira vez que fui", conta o arquiteto que hoje vive em São Paulo.
"Estamos, dentro do possível, bem, mas ainda é um processo de elaborar essas questões, essa violência que, para mim, soa como gratuita”, analisa.
Naquela noite, Diego estava acompanhado de outro arquiteto brasileiro, Guilherme Pianca, com quem a RFI também conversou. Ele visitava Paris pela primeira vez, graças a uma bolsa de estudos, e conta que hoje em dia tem sentimentos ambíguos em relação à cidade.
“Tive alguns momentos de retorno pelo próprio processo e avaliação psiquiátrica que o governo francês fez. Acho que eles foram bem atentos e lidaram com muito cuidado nesse assunto. Esse trauma está sendo constantemente elaborado. Acho que é uma coisa que se dá no longo prazo. São várias camadas que um evento desses significa. Este ano vão inaugurar um jardim em homenagem às vítimas. Acho que existe um esforço bem grande da prefeitura e do próprio Estado francês para lidar com esse assunto.”
O julgamento
Os ataques terroristas de 13 de novembro de 2015 em Paris foram reivindicados pelo grupo Estado Islâmico.
O processo dos terroristas na Justiça francesa durou dez meses. Nenhum dos 20 acusados recorreu da decisão, e o julgamento foi encerrado oficialmente em 12 de julho de 2022.
O único participante ainda vivo do comando jihadista que organizou os ataques em diferentes locais de Paris e arredores, Salah Abdeslam, foi condenado à prisão perpétua. Ele "acatou o resultado", explicaram, à época, seus advogados.
Salah Abdeslam foi o terrorista que não levou seus atos até o fim. Ele afirmou no julgamento ter "desistido" de acionar os explosivos em um bar parisiense por "humanidade". Em outro momento, declarou: “Eu apoio o grupo Estado Islâmico e os amo, porque eles estão presentes no cotidiano, combatem e se sacrificam”. O depoimento chocou familiares das vítimas.
O dispositivo com explosivos foi encontrado dentro de uma lata de lixo. No entanto, em sua deliberação final, os juízes concluíram que o colete explosivo que Abdeslam carregava "não era funcional", colocando seriamente em questão suas declarações sobre a sua suposta "desistência".
A Justiça determinou que o francês, de 32 anos à época, era culpado de ser o "coautor" de uma "única cena de crime": o Stade de France, os terraços parisienses metralhados e a sala de concertos Bataclan.
Os outros 19 corréus, alguns presumivelmente mortos, foram julgados e condenados a penas que variam de dois anos à prisão perpétua.
Os atentados em Paris foram considerados uma retaliação à participação da França na coalizão internacional contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque.
Ameaça continua presente
Atualmente, a organização terrorista continua representando uma ameaça à segurança do país, embora sua presença não se configure como uma estrutura organizada e visível como nos anos de seu auge (2014–2017). A atuação atual se dá principalmente por meio de células descentralizadas, recrutamento online e influência ideológica, como explicou à RFI Victor Mendes, professor de Relações Internacionais do Ibmec e especialista formado no Instituto Superior de Guerra do Ministério da Defesa do Brasil.
“Hoje, especialmente após a perda de territórios e de combatentes do Estado Islâmico, depois das operações militares ocidentais contra o grupo no Iraque e na Síria, que resultaram no fim declarado do Estado Islâmico em 2019, o grupo atua de forma mais descentralizada do que já atuava anteriormente", diz.
De acordo com o especialista, o Estado Islâmico continua sendo um dos principais grupos terroristas a atuar na Europa, apesar do número reduzido de ataques.
“Na Europa especificamente, uma das tendências, resultado do avanço tecnológico e da comunicação, é que o grupo hoje recruta muitos combatentes principalmente através de redes sociais e plataformas digitais, especialmente menores de idade", diz Victor Mendes.
O especialista alerta para os riscos ainda presentes. “O risco sempre vai existir, principalmente pelo fato de a França ainda ter muitos combatentes que se aliam a esses grupos e pelo fato de, muitas vezes, eles serem cidadãos franceses. Então, não é necessariamente uma questão de imigração”, conclui.
Só em 2024, o terrorismo jihadista foi responsável por 24 ataques na União Europeia, sendo cinco deles com vítimas fatais. A Europol confirma o envolvimento crescente de jovens radicalizados online, inclusive menores de idade, e o uso do conflito na Faixa de Gaza como instrumento de mobilização por grupos como o Estado Islâmico, que denuncia os bombardeios israelenses, descrevendo a população palestina como “mártir”.